domingo, 25 de dezembro de 2011

Postigo da alma



Amanheceu. Mais um dia estio. Calor nas entranhas dos que ainda sentem. Ou pensam que sentem. Se encontram em estado de pura letargia. E alguns permanecem insólitos. E a cidade, num átimo de quase amar. Tépidos. Busca ter alguém pra quem voltar. Pra pedir desculpas. Pra tomar um banho juntos. Sua respiração diz que permanece languidamente vivo. Não tem muito tempo. Escondendo um arcano hierático. Não pode ver sangue. Esconde pelo menos uns 5 litros em si. Locupletando-se em si mesmo. Mais do que seu DNA, um postigo de si.
Não pode se misturar ao outros. Se fazer igual e assim passar despercebido. Diz que cortará suas unhas no quintal apenas para não sujar o interior da casa. Quando na verdade, ele quer apenas observar as estrelas. E ele sabe que não adianta não sujar as ruas apenas quando tem alguém olhando.
Quando nasceu ensinaram-lhe como é o mundo. Inexorável. A mão veio de encontro ao seu corpo. E num vagido instintivo viveu. Abriram-se seus pulmões fazendo o que de mais primitivo sabe o homem. Chorou.
E ele suspirava tão desalentado. Pois não podia mais sonhar. Apaixonado só fazia comprar balas. Comê-las. E  a figura bonificada nesta, dá-la a quem julgava amada. E nem sonhava nesta época entender o amor. Só queria amar. Sonhar pouco é sofrer menos. Gera menos dor. Isso por si só já é utopia. E não se lembrava a última vez que havia sonhado estar voando. Depois de permanecer alguns anos escarmentado, apanhando regularmente de forma sistemática e simétrica, dia-a-dia, é difícil sonhar. Muito cedo aprendeu que há dois tipos de pessoas, os que colam chiclete na cabeça dos outros, e os que se deixam colar. Seu pai impreterivelmente pertencia a primeira classe, e estentóreo,fazia questão de lembrá-lo disto. Não chorar já era quimera. Então ele se esqueceu de sonhar. Algumas noites ele não conseguia dormir, em pensar em duas possibilidades. Dormindo ou se sonha, ou tem-se um pesadelo. Nenhum dos dois é seguro. E ele esqueceu de amar. Como era o amor. Ser gente ocupa muito tempo. Passa-se uma vida inteira para aprender a viver. E não se vive tudo de uma vez. Morrerá resignado a não saber viver.
Quando pequeno, viu algumas formigas estertorando afogadas. Pondo-se à ajuda-las, seu amigo imiscuindo-se interveio dizendo, Elas têm o livre-arbítrio, tem de viver sozinhas, já basta não comê-las. E ele retorquiu, Livre arbítrio? Quer dizer que você está vendo elas morrendo, se matando, sem poder se ajudar, enquanto as outras continuam egoistamente à trabalhar, para evitar a sua fome e desviando-se alheadas da poça sem nem ao menos se abalar que algumas das suas morrem, e não vai fazer nada - Me recuso a colocar um ponto de interrogação numa frase onde está explícito a resposta. Me desculpe se os obrigo a pensar. - Diante desta cena ele viu Deus. Eles nunca estiveram tão próximos. Ele nunca mais viveu esta sensação novamente. Inclino-me diante do ponto final. Escuso-me de aplicá-lo na vida. Enquanto reticências apenas omitem as histórias escritas em três de algumas vidas. Por isso continuo escrevendo...
Seu nome ainda não sei. Mas sei que ele não solta flatos em sua própria presença. É difícil assumir-se humano. Vergonha de si mesmo. Ele queria dar-se um presente de natal. No caminho alguém contou sua história. Como o mundo é. Tinha um homem e uma mulher. Depois havia um homem, uma mulher e duas crianças. Gêmeas. Só restaram elas. O homem esboroou-se. Da mulher restou o corpo. O que nele habitava, evanesceu. Eu dei o meu natal para aquele homem. Ele precisava mais do que eu. O truísmo escorreu de seus olhos, acossando a boca. Mas foi eu quem sentiu o sabor da saudade. E então o menino percebeu o quanto queria alguém pra quem voltar. E no meio da noite tirar o braço enroscado debaixo do seu pescoço. Já que o braço dormiu, mas ele não.  E passou a fumar por embuste de anestesiar-se.
Peço que se alimente frugalmente com o banquete que ofereço, parco como eu. Deitado na cama no espaço que há entre o dormir e o não dormido, espio por um postigo que dá na alma. E o menino procura-se diante dos retratos pueris mal-feitos e bem intencionados. Em fotos antigas não se reconhece. Em frente ao espelho pergunta-se, Quem sou. Nunca é o mesmo.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Estado de atenção


E de nada me adianta falar enquanto se recusam a ouvir. De que serve escrever se o mundo está analfabeto. Todos os que estão à nossa frente nos querem analfabetos. Não são as apostilas escolares que nos ensinam a ler. Não se lê com os olhos. Estão nos deixando cegos e estamos vendo apenas o que querem que vejamos. E acatamos isso como certo. E erramos. Já não sei nadar. A correnteza é forte demais. Irresoluto luto e vou contra a maré. A contragosto de todos. E afundo. E aqui no fundo perco os sentidos e vejo tudo mais claramente. Mas a água salgada machuca meus olhos. Transformou-se água em sangue. E ainda assim não acreditaram. Escrever tornou-se hipocrisia. Guerra condecorou-se arte.
E eu estou cansado de ver o mundo em terceira pessoa. Impotente. Não sei ao menos encerrar a goteira renitente na pia do meu banheiro. Como posso querer solucionar o caos mundial? Dentro de uma cúpula de vidro observo um mundo livre cheio de possibilidades pronto a ser vivido. E eu o amo sem necessidade de recompensa, e o desejo. Gratuitamente. Mas o vidro embaça-se, e em vez de uma vez por todas quebrar esta barreira, e o mundo e eu então passar a sermos peremptoriamente um só, tudo que faço é tirar minhas vestes, e nu diante do mundo, resignadamente limpo os vidros. E permaneço a ver longe a límpida liberdade. E a goteira da minha pia pinga na minha testa. E agora eu mudo a cama de lugar.
E a cúpula sou eu. Sou todo de vidro vendo o mundo através de mim. Estou  baço. E tão fraco tornei-me que qualquer movimento em mim, parte-me esmiuçadamente em milhares de esquírolas de vidro. E partido sou forte. E aquele que atreve-se a pisar, se fere. E espalha seu cruor onde já não sei circunscrever onde estou. Onde foi parar o mundo. Foi declarado estado de atenção em todas as regiões.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Simbiose de amor.


E foi decretado. Proibido amar. Me ensinaram que temos que amar apenas um alguém de cada vez. E que este alguém tem de ser só meu. E eu tenho de ser só dele. Me proibiram de amar gente. Tenho que amar o sexo, e apenas o oposto. Mas não consigo mais olhar e não enxergar a essência das pessoas, e assim vivo me apaixonando. E as quero pra mim. Quero que façam parte de mim. Amo o mundo. Não posso mais ser feliz enquanto vejo que o amor da humanidade está esfriando. Tal flama iridescente se apagando pouco a pouco.
E quando tudo começou.. um átomo olhou para o outro e disse: quero que faça parte de mim, quero que sejamos um só. Mas os outros vendo que lindo arranjo de amor estava se formando, uniram-se em orquestra, numa melódia harmoniosamente vital, e em uníssono sibilaram em coro. Amaram-se e deram origem ao que futuramente seríamos nós. Simbiose de amor. E na escuridão nômade em que viviam, descobriram a reprodução. Seus corpos ignorantes em junção sem nem ao menos um por quê. Não sabiam o quê, mas algo gerava uma vida, um novo alguém. E descobriram o fogo. E foram para as cavernas. Fogo. Caverna. Sexo. Reprodução. E juntou-se tudo. O fogo na caverna permitiu que pela primeira vez ele olhasse para o rosto dela.  E inventou-se o amor. Mas não sabiam como dizer. E sem dizer amaram. Mas ainda não tinham inventado o ciúmes, muito menos a posse. E então ela pertencia a todos os homens do bando. Era difícil dividir. Não deram tempo pra que se aprendesse a amar simultaneamente. E veio o egoísmo. Foi preciso que cada um seguisse seu rumo, e vivesse sua vida, sem comunhão com muitos. Exploraram, conheceram novas terras. Descobriram novas e diferentes formas de se comunicar. Quiseram dominar tudo. Dominar um ao outro. Inventaram a guerra. Já que muito antes já tinham descoberto a morte. E foi designada castigo. E readequaram a forma de amar. Agora esta traria benefícios materiais. Os casamentos foram arranjados. Mas amar não era - e não é - assim tão organizado. Algumas vezes deu certo. Outras vezes gerou mais conflito, e guerra. Guerras internas. 
E deixaram a reprodução de lado. E não quisemos mais casamento arranjado. Vimos que amar por interesse não funciona. Exceto quando o interesse está no que há de mais profundo. No âmago. Exige admiração. Construção delicada. Tempo. Mas somente nós dois em redoma de vidro. Esquece o mundo e viva pra mim. 
E mais uma vez não funcionou. Eu me interesso por outro(s) ser(es) humano(s). Mas não deixo de te amar.
O amor é benigno e ilimitado. Amar só um, odiar muitos. Não somos assim. Eu não sou assim. E eu grito que amo. E você também pode amar. Não precisa ser do meu jeito. Mas ame, ame mesmo, ame muito. Ame muitos. 
Me ensinaram a amar de tal maneira que não me encaixava. E mudei, mas já nasci amando de tal forma. E mostrei como eu amava. Fui criticado. Mas aceitaram. E não quero que minha forma de amar machuque como vejo que muitos estão se machucando. Amar faz bem. Amor não completa, soma. Eu sou completo, você me acrescenta. Eu posso viver perfeitamente sem você. Mas eu não quero. Pura veleidade. E é assim que eu amo. Crie. Invente. Não prenda seu amor numa gaiola, não o proíba de cantar. Não coloque meu rosto no retrato que você desenhou, com todas as qualidades que você estipulou. Foi pra isso que inventaram a decepção.  Sussurre no meu ouvido como você gosta. Vamos descobrir isso juntos. Eu amo o você, que não sai nas fotos. Amo você no escuro. Não preciso de luz. Preciso de você. 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Alma-diçoado


Como é difícil dormir quando a vida se torna tão interessante. E há tanto a dizer e a observar que fico sem saber como dizer o inefável. Olha e já não se reconhece. Procura-se entre os cacos do que restou de si, fragmentos de ser. Objeto de mundo. Mudo.
O que ele sempre gostou foi das bonecas, dos vestidos de renda. E se perguntava se era normal gostar dos meninos como ele gostava. Se era normal achar os outros meninos bonitos como ele achava. Em prece ajoelhado, com as mãos entrelaçadas na testa e de olhos cerrados, pedia perdão. Mas o pecado voltava e novamente flagelava-o asceta com seu pecado secreto. E vestia escondido os vestidos de sua irmã, e era impedido por sua mãe de ter os cabelos compridos, onde tacitamente sonhava em passar os dedos à sonhar com o jovem desejado. Fugia de serviços braçais. Temia conversar  brutais. Nada nos é imposto mais que podemos suportar. Mas estar enjaulado era mais que podia. Suplicou forças. Sua delicadeza ofendia aqueles que o feriam e deixaram marcas no mais profundo de seu mar, que até mesmo ele tem medo de mergulhar. Perde o ar. Os dedos que há algum tempo acarinhavam sua cabeça de criança, agora pressionam seu pescoço, impedindo que o ar passe. Sufocou-lhe. Não fosse sua mãe talvez estivesse morto. Mãe e filho abandonados.
Nos livros onde se refugiava era tirado à força pelos colegas que o humilhavam. Batiam. Sua condição era repugnante.  E ninguém via que ele não tinha culpa alguma de ter sido trocado antes mesmo de nascer. Que podia ele fazer por ser uma alma aprisionada? E passar batons escondido já não bastava. Recôndito de si e dos outros. Sem entender por que precisava fingir ser o que não era. O que jamais seria. Ele não tinha escolhido ser assim. E os auxílios hormonais foram mudando seu corpo. Mas ainda não o era.
E o doce harmonioso do melão acalentava-o nas noites inquietas de pensamentos perdidos. Com asas podadas cruelmente. Ferida. Não podia sequer cantar. Rouxinol preso em galo. Este não era seu canto. Seu canto. Fora do lar. Expulso.
Na madrugada sem estrelas a brisa fria arrepia sua nuca. Nos livros de páginas amareladas ele procura um sentido. Alguém que já o tenha entendido. Está mudando seu corpo erroneamente procurando encontrar e trazer à tona a fera adormecida. A água vinda direto da torneira refresca-lhe a alma.
Agora já está mais semelhante ao que desejava. A menina que não pode ser. A mulher que se tornou.
Se antes viver já estava difícil, agora estava insuportável. A sociedade não tinha maturidade o suficiente para quebrar tantas barreiras. Para enxergar que por trás do pederasta transgênero há um ser-humano indelével. Com sangue percorrendo suas veias. Que acorda no meio da noite sufocado pelos dedos do pai, que mesmo num lúgubre universo onírico, continua o fazendo estertorar. Depois de muito lutar contra o ser mumificado e alma-diçoado dentro de si, libertou- a. Libertou-se. E esta jamais voltará a dormir.
Sem escolha jogou-se na rua. Ao que aparentemente julga-se mais fácil. Indolor. Indolente. E tratada por homens sórdidos como objeto de prazer sem alma, enojada. Vomitou. Tirou os sapatos. Sentou no asfalto. Pausadamente viveu. Desejou morrer. Desejou um colo, um afago. Mas longe de fugir de si mesmo, fazia o que nenhuma mulher se sujeitaria. O que nenhum ser merecia.
O batom e o sangue derramados, gota a gota, poderiam narrar fatos diferentes. Onde tudo fosse mais fácil. Onde ser humano bastasse. Onde fôssemos semelhantes ao Divino. Onde houvesse respeito. Onde Caim não mate Abel. Onde a lâmina afiada de navalha sob a carne pútrida não escreva a história de quem tentou ser. E tentando já não era mais, humano. E não quis ser. E foi. Era.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Estavam ávidos em ouvir seu chamado. Almas enfermas. Poucos sorrisos. Trabalhadores ociosos de si que adoecem por indolência. Uma disputa por saber qual dor era maior, qual merecia mais atenção. Quem era mais merecedor. Toca em meu braço. Um rosto lívido pedindo ajuda em silêncio. A menina que já é mulher repousa suas dores no ombro da mãe que aflita, move freneticamente os pés nas sandálias esfarrapadas.
Para o senhor encanecido que dedica-se à adoecer já se tornou ponto de encontro. Alheia-se à vida. Aproxima-se do berço de descanso. O céu tonitruante avisa. Aqui dentro a criança tonitruante implora. Dentro de mim silenciosamente chove. Os dias têm sido nublados. O cheiro de chuva entorpece. Sua voz se confunde com os trovões. Ela chama mas ninguém responde. Todos se manifestam em revolta. O ar é denso. É difícil respirar. O mundo está adoecendo rápido demais. As pessoas estão morrendo desonestamente. Roubam-lhe o tempo. Não é mais agradável viver. Dói. Estamos insensíveis à dor, do outro.
As condições são precárias. Não há cordialidade. Ninguém se importa. Só estou cumprindo meu trabalho. Chegou minha vez. Estou sangrando. De dentro pra fora. Sou mais um a querer viver.  Mais uma fila. Mais uma espera. Ainda não é minha vez de morrer. Tenho que aguardar. A fila é morosa. A morte é fugaz.
Gratuitamente me sorriu complacente. Visivelmente doente. Há luzes de natal. Há cores. Há gente. Há uma Eugênia, mas não existe eugenia. Olhos feridos. Pernas quebradas. Outras permanentemente imóveis.
Mais um andar. Os degraus são cruéis. Chove desafiadoramente em estigma de desagravação. Estou pior do que imaginava. Pior do que quando cheguei. Ninguém me falou. Ainda não fui atendido. Mas sinto. As crianças  choram ignorando o aviso de silêncio na parede. A dor não sabe ler.
Como um fruto no topo da árvore, as palavras estão fora do meu alcance. Maria da Dores nasceu destinada à sofrer. O céu é impiedoso. Meus pensamentos incomodam.
Há dias chuvosos em que precisamos viver. Deixar tudo de lado e viver. Gostaria de dizer o indizível com a máquina de escrever. Há segredos meus que ainda não posso revelar. A chuva parou. O bebê  e eu bocejamos. Sou atendido e volto pra casa ao lado do povo que clama dignidade, reclama a deslealdade de seus líderes que impunemente tiram daqueles que nada podem ou sabem fazer, para esfregar em nossa cara a desigualdade em que vivemos. O povo que paga, em hospitais públicos de baixa qualidade. Os líderes que recebem, nos seus hospitais luxuosos. Quando se sente na pele, dói mais a injustiça que a enfermidade física.

sábado, 26 de novembro de 2011

Sob meus pés






Sentado durante a alva na calçada debaixo da garoa fina, olho meus pés no senil e já furado all star que me acompanha há muito. Presente de amiga que sabia que eu faria bom uso.
Seco meus pés e cubro-os com meias limpas e enxutas. Cálidos e alcatifados escorregam.
Nasci descalço. Mas logo me cobriram os pés e se puseram a examiná-los para ter certeza que eu faria com sucesso o caminho que trilharam para mim nesta rua ladrilhada com brilhantes. Antes de andar, engatinhei. Cai muitas vezes.
Ganhar calçados sempre foi o mais sublime que eu jamais poderia esperar. Esperança materializada em confiança de que acreditavam que daria passos largos rumo à alguma conquista.
Jamais pude ter os pés sujos, andrajosos e muito menos descalços. Eram sinais de viver à margem da sociedade. Assim me presentearam com tênnis, chinelos e até sapatilhas. Para que revestido por tal armadura corresse atrás do que é meu, mas ainda não o era. De meu sonhos. Inalcançáveis. Cheguei a ganhar alguns tão lindos, para que assim o caminho ficasse mais belo, e me distraíssem da paisagem desagradável. Outros para que eu me sentisse mais confortável, e não me ferisse tanto. Não mais que o necessário. Haveria muito o que caminhar.
Em alguns lugares, para estar no meio deles tive que me calçar como tais. Mas na ausência dos que julgam, preferi calçar-me humildemente. Aprendi a ficar na ponta dos pés para enxergar mais alto, e alcançar o que antes não poderia. Decidi usá-los para vencer. Adverso ao arrivismo, jamais pisei em alguém. Tive que aprender a fazer grandes saltos, certificando-me de não dar o passo maior que as pernas. Calcei-me de sapatilhas, que eficazes como armaduras não podem vencer por mim. Sei até como é a dificuldade por trás do salto alto. Diante do gol esgarrei o chute, mas fui inteligente o bastante pra evoluir com meu erro.
Procuro manter os pés no chão, mas os olhos acima dos arranha-céus. Já puseram pedras no meu caminho. Tropecei. Aprendi. Com tais pedras me refiz e hoje são fundamentais na construção de meu baluarte. E quando puseram os pés para que eu tropeçasse novamente, me agachei e lavei-lhe seus pés em humildade. Quando não tive nada a oferecer, roubaram -me os sapatos. Corri descalço, fugitivo como a Cinderela, sem seus sapatinhos de cristal. Quando os policiais me avistaram, preto e pés vermelhos calejados, me mandaram munidos de cassetetes e com toda sua hostilidade encostar na parede.
Humilhado voltei pra casa desarmado. Apenas com as sandálias da humildade. Com os pés num invólucro de história continuo caminhando e dançando à passos morosos e deliberados, com os pés fustigados pelo cansaço nessas ruas esburacadas, sem saber onde vou chegar. Mas eu vou chegar. Com o rosto lavado em água e sal, e os pés pelados, sonhando ainda um dia pisar na lua.

sábado, 19 de novembro de 2011

E para que serve essa boca tão grande? Para soprar dentro de ti o fôlego vital e refazer-te do amor que habita em mim e me fere brutalmente inocente, sem fardo e sem culpa. E para que eu não morra, e por covardia de não matá-la em mim, à mato fora de mim. Com minhas mãos esquálidas de sangue puro.
Arfante o desespero corre em minhas veias incrédulas do sorvedouro causado. Você não merecia tanto. Não merecia todo amor que te ofereci em sacrifício.
A água gelada bate em meu rosto como o tapa dado quando você não soube aceitar o meu amor. Mas resignadamente aceitou vir ao meu encontro pela última vez. Recorto seu sorriso da lembrança de ter você em meus braços e jogando num mar de alegrias. Dizia que não gostava, mas só eu enxergava o sorriso recôndito no rosto molhado correndo para vingar-se. Exigindo perdão. Desculpa. Agora meus braços já não suportam te carregar sem vida. Como eu já não suportava carregar sozinho o nosso amor. Que você teimava em dizer ser só meu.
E na volição entre a primeira e a septuagésima sexta facada pude lembrar do seu rosto chegando perdido no primeiro dia de trabalho. De como você sempre chorava vendo a mesma parte de "Antes que termine o dia". Em como adorava vê-la dormir e ter seus espasmos. E como foi difícil parar de fumar, e de como me questiono agora para quê. Recordo seu rosto estampado de espanto ao me ouvir sem remorso, quando mandou eu seguir minha vida, dizer que você é a minha vida. O mesmo rosto que vejo, e estoico permaneço surdo e já não sei mais quantas facadas dei, e nem mesmo o que continuo tentando matar. Mas matei.
E num chofre, estremunhei sôfrego como num pesadelo. E a noite sussurrou em seu ouvido que ela não podia permanecer ali.  Foi quando viu o quanto você combinava com meu jardim, e em como você permaneceria sendo meu tesouro escondido.

Qual o nome?


Qual o nome do sentimento que faz com que eu sofra maviosamente calado pelo suplício de não poder flagelar-me na esperança de um dia conhecer Clarice? Antes mesmo de eu nascer foi-me tirado este direito. Sem direito à protesto. Impiedosamente inerte à minha ausência, Clarice viveu, e deixou rastros de sua existência, para futuramente martirizar-me, e que eu pudesse assim identificar-me e da mesma forma servisse de alívio e consolo, me aproximando dela. Bondosamente cruel. Por que nascer tão antecipadamente? E por quê fui eu nascer de maneira tão ociosa e tardia? Nasci e somente muitos anos depois abri os olhos. Muitos já nascem de olhos abertos. Eu injustamente abri os olhos já velho. Incapaz de acreditar no que via. Tendo que me acostumar bruscamente à claridade. Acho que nasci cego. E tenho de agradecer por tardiamente jovem ser me dado o dom da visão. Muitas vezes pude ver. Raras vezes enxerguei. Agora sinto. Sinto que cresci às escuras.
O mesmo sentimento toma conta de mim quando vejo os pássaros, e um desejo sincero me toma, torcendo para que estes se aproximem e compartilhem do amor que ofereço. Mas estes fogem. Logo eu, incapaz sequer de feri-los.
Confesso. Juro falar a verdade, nada mais que a verdade. Já matei, sem saber o peso de meus atos. Quando criança torturava formigas, cercando indefesas e inocentes à sua busca por comida, e afogando-as em um veneno borbulhante e limpo. Detergente. E isso fez crescer o assassino dentro de mim.  Convencia e pagava para que outras pessoas cometessem os crimes em meu lugar. Uma verdadeira chacina. Envolvendo sequestro.  Tortura. E a morte cruel e dolorosa para o meu deleito canibal. Mas hoje cumpro minha pena em liberdade, e não extinguo mais vida alguma, e estou aquém de pensar em me alimentar delas.
Mas os animais continuam a culpar-me, e fugir, condenando-me com seu olhar de discriminação de uma raça ferida.
Mas nasci e fui irracionalmente instruído à matar. Nasci movido por uma emoção racional, e cresci para ser irracional fera que não tem escolha se não matar e torturar suas vítimas para comê-las. Mas estava irracionalmente cego, e quando abri os olhos e vi o sangue em minhas mãos não pude prosseguir. Que animal é esse capaz de criar instrumentos com a simples finalidade de matar. Que provoca guerra em busca de paz. Nomeia vencedor aquele que num ringue golpeia, fere e derruba seu semelhante fazendo disso esporte. Se não comêssemos outros animais, quem sabe não comeríamos uns aos outros, movidos pela racionalidade irracional de ser quem somos.
Ainda estou aprendendo a ver o mundo com outros olhos. Lacrimejando.

domingo, 13 de novembro de 2011

Beija-Flor

                             







Voa colibri, ágil e irrequieto. Capaz de alimentar-se e disseminar a beleza das flores, num ato de amor recíproco inocente e coberto de pureza. Capaz de se apaixonar por uma rosa, e incapaz de beijá-la. Para que esta não morra jamais. E viva sempre bela, intocada, pura. Não a beija, e também a nenhuma outra. O que o alimenta é o simples fato de ela existir pra ele. De poder admirá-la. Surdo amor. Sem palavra e repleto de gestos. Rufla silenciosamente o que sente. Capaz de atravessar um oceano para encontrá-la. Mas jamais podendo caminhar sob o solo que alimenta e sustenta quem ele tanto deseja. Tendo que contemplá-la apenas com seu olhar fulgurante enquanto paira no ar. Sendo este também observado, admirado. Dizem que trás sorte. Admira sua rosa, sem nem ao menos sentir seu aroma, sua essência. Mas é o suficiente. Ama sem mais nada esperar. Não quer nada em troca. Seu amor é suficiente para todo o jardim. Mas ele só deseja uma dentre todas aquelas. Não a trai. Fidelidade silenciosa. Passa-se o tempo. Duradouro amor. Com a carne fraca e o coração forte, maior do que pode sustentar dentro de si, pára. As asas que até então batiam tão depressa, cessam. Cai ao chão. Sozinha ela também não resiste.  Cai. Talvez por culpa, talvez não. Transformam-se em terra. Agora estão juntos. São um só. Num só beijo. Terra.



O dia em que éramos três





Fecha-se a porta. Apaga-se a luz. Escuridão silenciosa. Risos. Música. Roupas sujas jogadas no chão. Não eram homens perfeitos, nem foram feitos um para o outro. Mas pertenceram-se perfeitamente um para o outro naquela noite. Ficaram pelados, mas ninguém viu. Deixaram de ser homens, passaram a ser novamente meninos. A água morna caiu sob seus corpos esquálidos levando embora toda imundície do mundo. Agora estão nus. Despidos de qualquer discriminação. Apreciam sua nudez, recôndita e explícita. Eu já tinha ficado pelado na frente de outras pessoas antes. Mas era a primeira vez que me sentia completamente nu. A única roupa que trouxe. Um tecido que tudo expõe, tecido divinamente com afã. Cobriu meus medos e desejos mais íntimos. Ínfimos. Caiu feito luva. Sua máscara. Minha carnação, minha casca. Escorchei-me.
Ensaboei seus cabelos. Beijou minha boca. Vi se beijarem. Sem ciúmes. Sem posse. Meu rosto pressionado contra o azulejo gelado da parede. Ficamos pelados novamente. Tentei escapar, não consegui. Gemidos. Tapou minha boca. Não éramos mais meninos, nem homens. De repente, éramos humanos. Três corpos trigueiros cobertos de lascívia e volúpia.
Subversivos, apegaram-se maviosamente à um amor livre de qualquer preconceito obsoleto. Amamos sem obrigação. Porque queríamos amar. Sem promessas, sem dúvida. Sem ninguém nos ensinar.
Poderíamos ficar ali a noite inteira. Mas no fastígio de sua relação hedonista, fremiu de prazer, bebendo seu líquido, como em libação inviolável.
No quarto soturno entregaram-se à inefável catarse que sentiam em meio à um silêncio onírico. Inebriado pelo que passou, não dormi. Ainda não me acostumei à dormir junto. Não precisa mais me abraçar. Separaram-se. Nada foi dito.
Me olho no espelho, agora sozinho e pelado, não sei quando ficarei nu novamente.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Éden nos dias de hoje.






Podia ter sido apenas mais um sábado ensolarado, não fosse a súbita dor nas costelas. Você está bem? Ela pergunta. E quando olhou seus olhos sabia que estavam destinados a estar juntos. Incontrolavelmente pertenceram-se. Seu idealismo curioso em conhecer a vida o encantou. Foi feita para que ele não se sentisse mais só. Sua vontade de começar um mundo diferente a atraiu, sensibilizou. Como podiam não se amar. Era como se fossem um só. Feitos de uma mesma carne. Mas ela sempre ia mais além, e se aventurou em saber o que é bom e o que é mal. O proibido lhe aguçou os olhos. Foi posta à prova. Não pôde resistir. O sabor do erro lhe escorreu pela garganta como mel recém colhido da colmeia das abelhas africanizadas, sem se importar com o perigo. Agora expulsos de casa, do conforto do lar. De onde julgavam ser o paraíso. Jogados num mundo sem piedade e sem proteção. Descobrindo a vida por si só. Sós. Como conhecer a vida sem vivenciar sua maior dádiva. Quando não pôde escolher, com o livre-arbítrio nas mãos, onde errar é humano. Por querer saber de mais descobriu o sofrimento. Passaram uma vida inteira curiosos em descobrir a morte. Em um pensamento egoísta de saber como poderia o mundo prosseguir sem eles. Aceitar nossa condição ignorante sem questionamento talvez seja a melhor decisão; saber que nada se sabe, já é muito. Ou não. Por questionar de mais descobririam a morte.
Ele não a deixou sozinha. A amava, como a si mesmo. Aprenderiam juntos a viver, a sobreviver. E consequentemente a morrer. Olharam-se, e estavam sós. Nus. Descobriram sua nudez e a vergonha enrubesceu-lhes o rosto. Amaram -se com medo e vergonha. Enfrentaram a Deus. Carregavam o peso da culpa em suas costas agora nuas e fustigadas pelo pecado.
O tempo passa e cá esta ela diante de um médico que lhe oferece a curetagem. Diante de mais uma decisão que mudará não somente a sua vida. O aborto. Ser-lhe tirado o livre-arbítrio, escamoteado às pressas, enquanto dorme. Antes mesmo que pudesse saborear viver. Experimentar sofrer, para então dizer que preferiria não ter nascido, e fazer o que bem quisesse com sua própria vida. Tirado à mão. Escorrer por suas entranhas. Deixar de ser. Ser ou não ter, eis a questão. O mundo em seu ventre. O futuro em suas mãos, em seu âmago. Tirar essa criança, fugir dessa responsabilidade. Pai e mãe de primeira viagem. Só tem um ao outro. Um filho prematuro. Não pôde abortar. Quer esse filho. Viver uma história, escrevê-la com seu sangue.
O futuro à Deus pertence. E no sétimo dia Ele descansou. Em que dia estamos hoje?

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Na janela do ônibus

O sol verte suas chispas fulgurantes queimando suas costas. Aquecendo sua alma. Preteriu caminhar ao ver o ônibus passando e convidar sua ociosidade à acompanhá-lo. Estava cheio. Você também estava. A miscigenação estava ali imposta diante de seus olhos cálidos. Pôde observar aquilo que mais gosta. Gente. A criança que chora. A mulher que educa. O homem coberto de lascívia. A moça sucinta, consenti. Seus olhos de um brilho opalino observam um mundo ao qual jamais tinha prestado atenção. Gosta. De agora em diante será diferente. Ser gente faz bem.
Observa através da janela, a dificuldade senil com que a mulher caminha morosa sob as avenidas impacientes de São Paulo. Carregadas de histórias, cada uma em seu sentido, cruzam-se sem se bater. Não se tocam. Olham mas não enxergam nada além de seus próprios passos. O jovem aflito em seus ideais calcula pressuroso quanto tempo levará ao seu destino. Talvez uma vida toda. O sinal fecha. Fazem malabarismo tentando equilibrar suas vidas diante de seus olhos. Fecha-se o vidro. As ruas começam seus preparativos para o natal. Mas o que se comemora no natal? Que se desperte o espírito natalino no homem que falando ao celular joga 3 moedas no caneco de metal do senhor com os pés enfaixados, a visão debilitada e as mãos acorrentadas implorando misericórdia, e uma nova chance. Acusa um Deus que não o enxerga no meio dessa multidão afogada em suas vidas, incapazes de olhar pro lado. A sirene vocifera. Os carros abrem caminho. A ambulância carrega em seus braços alguém que também não olhou pros lados. Dentro do carro, amassado de torpor, faz-se uma promessa arrependida por ter bebido demais. Sentam-se ao seu lado. Você sorri sem motivo. Acusam um disparate irresponsável. Extasiado alguém grita: "Pára, pára que eu quero descer!". Do mundo. Do ônibus. Você cede lugar a quem leva em seus braços cansados o futuro imaturo. Tira o seio. Alimenta calmamente quem um dia caminhará com suas próprias pernas em busca de seus sonhos, e se responsabilizará por onde hoje caminhamos sem culpa. Parece que você já esteve aqui antes. Sua história está impregnada por estas ruas agora escuras. Ele morava naquele prédio que você tanto visitou, com um coração jovem e fugaz. Mas acabou. Ele não te quer mais. Não quer mais os momentos bons que viveram deliberadamente. E que acreditaram que durariam para sempre. Recônditos do mundo, dentro de quatro paredes se amaram. Brigaram. E agora sente o sabor salgado e amargo de seus erros escorrendo em seu rosto. Você já se esqueceu de tudo que viu. Agora quando olha pela janela do ônibus, a única coisa que vê é o próprio rosto refletido nas vidas passando lá fora. Através da janela. Na janela. O motorista freia bruscamente. Gritam. Cambaleiam. Perdem o equilíbrio. Está carregando bois? Perguntam-se. Quem é esse motorista? Deve ser novo. Ainda não se acostumou com o mundo.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Beligerantes


Caminham lado a lado. Calados. Silêncio cálido. Beligerantes. Não é preciso dizer nada. Não se constrangem. Sentem. Dançam. Corpos surrados. Almas pungentes. As mentes transbordam, carregadas de pensamentos perdidos. São rendidos. O cansaço é escabroso e cruel. Mãos ao alto. Corpos ao chão. Olhos fechados. Acorrentados, cedem. Filantropos que são, descansam para que uma nova batalha seja travada noutro dia. Seus corpos, suas armas. São uma tropa. Escopo de um dia. Exórdio de uma longa peleja. Juntos são mais fortes. Não temem a derrota. Quiçá fosse.

Maná










Sinto fome. Uma fome que  enche de angústia. Todos me dizem que tenho pensamento de gordo. Saio pensando no que terei para comer quando voltar. Comer me enche de prazer. Sinto a fome dos insaciados. E é com essa fome que devoro o mundo todo a minha volta. Devoro cada pessoa, cada momento. Engulo as vezes sem nem ao menos mastigar, me dando ao luxo de comer mais. As vezes gosto de degustar. Então aprecio comendo pelas beiradas e deixando o "recheio" do mundo pro final. Sempre é mais saboroso. Mas também já comi primeiro o recheio. Gostei.Como de tudo, doce, salgado, amargo, besteira ou saudável. Misturo tudo. Olho uma geladeira vazia, escassa, mas cheia de lembranças. Carregada de fotos e saudades. Há quem diga que tenho estômago forte. Já comi restos, e nem sei de quem. Comi e como novamente porque já tive fome. Já vi quem tem fome. Vi enquanto reviravam o lixo, me pediram o que comer. Simplesmente pitança. Ajudei. Outras vezes não pude. Não quis. Minha fome foi maior. Gula. Eu comeria o mundo todo, sem cerimônia, sem talheres. E eles, o que comem? Como posso eu alimentar o mundo todo? Me sinto como uma ama seca.  Cheia de amor e incapaz de alimentar. Quando não como, durmo. Enquanto durmo, sentem fome e sonham acordados, insones, com um prato de comida. De comédia.

O porquê de tudo isso? As palavras ficaram pesadas demais para que eu as pudesse carregar sozinho. Tentei tapar a boca. Mas elas saíram, como num vômito. Estava cheio, comi demais. Eles não. Nós não. O mundo está faminto, e eu estou faminto do mundo. E enojado. Tudo que como me faz mal. Logo eu, que tinha estômago forte.

domingo, 30 de outubro de 2011

Bendito Fruto

Cheiro de inocência, exalando imódico um fragmento de vida. Recém-nascida. Cheiro que evanesce com o passar dos anos, anexo à candura exaurida por entre os poros. De uma vida ainda não vivida.
Renitente, a essência insiste. Persiste em viver, em amar e sofrer. 
E os anos passam duros e cruéis. Deixando seu estigma sob a pele. É a morte iminente admoestando inaudível e sem engano. Está por vir. 
A inocência se foi. Resta agora o cheiro que a maturidade deixou sob uma pele decrépita, suada. Que esconde e protege uma alma inextinguível, que alheada à isso vive. Vive. Exibindo com garbo sua coragem. Até o último suspiro, voltando com um frêmito, jubiloso e pungente, ao pó. Colocado mais uma vez na enorme ampulheta da vida. Que é o mundo. Bendito fruto de vosso ventre.

Nasci.

Fui arquitetado hermeticamente no mais puro, carnal e pungente ato de amor. Feito para amar. Amo demais. Num mundo que vive em dores de parto.