Podia ter sido apenas mais um sábado ensolarado, não fosse a súbita dor nas costelas. Você está bem? Ela pergunta. E quando olhou seus olhos sabia que estavam destinados a estar juntos. Incontrolavelmente pertenceram-se. Seu idealismo curioso em conhecer a vida o encantou. Foi feita para que ele não se sentisse mais só. Sua vontade de começar um mundo diferente a atraiu, sensibilizou. Como podiam não se amar. Era como se fossem um só. Feitos de uma mesma carne. Mas ela sempre ia mais além, e se aventurou em saber o que é bom e o que é mal. O proibido lhe aguçou os olhos. Foi posta à prova. Não pôde resistir. O sabor do erro lhe escorreu pela garganta como mel recém colhido da colmeia das abelhas africanizadas, sem se importar com o perigo. Agora expulsos de casa, do conforto do lar. De onde julgavam ser o paraíso. Jogados num mundo sem piedade e sem proteção. Descobrindo a vida por si só. Sós. Como conhecer a vida sem vivenciar sua maior dádiva. Quando não pôde escolher, com o livre-arbítrio nas mãos, onde errar é humano. Por querer saber de mais descobriu o sofrimento. Passaram uma vida inteira curiosos em descobrir a morte. Em um pensamento egoísta de saber como poderia o mundo prosseguir sem eles. Aceitar nossa condição ignorante sem questionamento talvez seja a melhor decisão; saber que nada se sabe, já é muito. Ou não. Por questionar de mais descobririam a morte.
Ele não a deixou sozinha. A amava, como a si mesmo. Aprenderiam juntos a viver, a sobreviver. E consequentemente a morrer. Olharam-se, e estavam sós. Nus. Descobriram sua nudez e a vergonha enrubesceu-lhes o rosto. Amaram -se com medo e vergonha. Enfrentaram a Deus. Carregavam o peso da culpa em suas costas agora nuas e fustigadas pelo pecado.
O tempo passa e cá esta ela diante de um médico que lhe oferece a curetagem. Diante de mais uma decisão que mudará não somente a sua vida. O aborto. Ser-lhe tirado o livre-arbítrio, escamoteado às pressas, enquanto dorme. Antes mesmo que pudesse saborear viver. Experimentar sofrer, para então dizer que preferiria não ter nascido, e fazer o que bem quisesse com sua própria vida. Tirado à mão. Escorrer por suas entranhas. Deixar de ser. Ser ou não ter, eis a questão. O mundo em seu ventre. O futuro em suas mãos, em seu âmago. Tirar essa criança, fugir dessa responsabilidade. Pai e mãe de primeira viagem. Só tem um ao outro. Um filho prematuro. Não pôde abortar. Quer esse filho. Viver uma história, escrevê-la com seu sangue.
O futuro à Deus pertence. E no sétimo dia Ele descansou. Em que dia estamos hoje?
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