sábado, 19 de novembro de 2011

Qual o nome?


Qual o nome do sentimento que faz com que eu sofra maviosamente calado pelo suplício de não poder flagelar-me na esperança de um dia conhecer Clarice? Antes mesmo de eu nascer foi-me tirado este direito. Sem direito à protesto. Impiedosamente inerte à minha ausência, Clarice viveu, e deixou rastros de sua existência, para futuramente martirizar-me, e que eu pudesse assim identificar-me e da mesma forma servisse de alívio e consolo, me aproximando dela. Bondosamente cruel. Por que nascer tão antecipadamente? E por quê fui eu nascer de maneira tão ociosa e tardia? Nasci e somente muitos anos depois abri os olhos. Muitos já nascem de olhos abertos. Eu injustamente abri os olhos já velho. Incapaz de acreditar no que via. Tendo que me acostumar bruscamente à claridade. Acho que nasci cego. E tenho de agradecer por tardiamente jovem ser me dado o dom da visão. Muitas vezes pude ver. Raras vezes enxerguei. Agora sinto. Sinto que cresci às escuras.
O mesmo sentimento toma conta de mim quando vejo os pássaros, e um desejo sincero me toma, torcendo para que estes se aproximem e compartilhem do amor que ofereço. Mas estes fogem. Logo eu, incapaz sequer de feri-los.
Confesso. Juro falar a verdade, nada mais que a verdade. Já matei, sem saber o peso de meus atos. Quando criança torturava formigas, cercando indefesas e inocentes à sua busca por comida, e afogando-as em um veneno borbulhante e limpo. Detergente. E isso fez crescer o assassino dentro de mim.  Convencia e pagava para que outras pessoas cometessem os crimes em meu lugar. Uma verdadeira chacina. Envolvendo sequestro.  Tortura. E a morte cruel e dolorosa para o meu deleito canibal. Mas hoje cumpro minha pena em liberdade, e não extinguo mais vida alguma, e estou aquém de pensar em me alimentar delas.
Mas os animais continuam a culpar-me, e fugir, condenando-me com seu olhar de discriminação de uma raça ferida.
Mas nasci e fui irracionalmente instruído à matar. Nasci movido por uma emoção racional, e cresci para ser irracional fera que não tem escolha se não matar e torturar suas vítimas para comê-las. Mas estava irracionalmente cego, e quando abri os olhos e vi o sangue em minhas mãos não pude prosseguir. Que animal é esse capaz de criar instrumentos com a simples finalidade de matar. Que provoca guerra em busca de paz. Nomeia vencedor aquele que num ringue golpeia, fere e derruba seu semelhante fazendo disso esporte. Se não comêssemos outros animais, quem sabe não comeríamos uns aos outros, movidos pela racionalidade irracional de ser quem somos.
Ainda estou aprendendo a ver o mundo com outros olhos. Lacrimejando.

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