sábado, 26 de novembro de 2011

Sob meus pés






Sentado durante a alva na calçada debaixo da garoa fina, olho meus pés no senil e já furado all star que me acompanha há muito. Presente de amiga que sabia que eu faria bom uso.
Seco meus pés e cubro-os com meias limpas e enxutas. Cálidos e alcatifados escorregam.
Nasci descalço. Mas logo me cobriram os pés e se puseram a examiná-los para ter certeza que eu faria com sucesso o caminho que trilharam para mim nesta rua ladrilhada com brilhantes. Antes de andar, engatinhei. Cai muitas vezes.
Ganhar calçados sempre foi o mais sublime que eu jamais poderia esperar. Esperança materializada em confiança de que acreditavam que daria passos largos rumo à alguma conquista.
Jamais pude ter os pés sujos, andrajosos e muito menos descalços. Eram sinais de viver à margem da sociedade. Assim me presentearam com tênnis, chinelos e até sapatilhas. Para que revestido por tal armadura corresse atrás do que é meu, mas ainda não o era. De meu sonhos. Inalcançáveis. Cheguei a ganhar alguns tão lindos, para que assim o caminho ficasse mais belo, e me distraíssem da paisagem desagradável. Outros para que eu me sentisse mais confortável, e não me ferisse tanto. Não mais que o necessário. Haveria muito o que caminhar.
Em alguns lugares, para estar no meio deles tive que me calçar como tais. Mas na ausência dos que julgam, preferi calçar-me humildemente. Aprendi a ficar na ponta dos pés para enxergar mais alto, e alcançar o que antes não poderia. Decidi usá-los para vencer. Adverso ao arrivismo, jamais pisei em alguém. Tive que aprender a fazer grandes saltos, certificando-me de não dar o passo maior que as pernas. Calcei-me de sapatilhas, que eficazes como armaduras não podem vencer por mim. Sei até como é a dificuldade por trás do salto alto. Diante do gol esgarrei o chute, mas fui inteligente o bastante pra evoluir com meu erro.
Procuro manter os pés no chão, mas os olhos acima dos arranha-céus. Já puseram pedras no meu caminho. Tropecei. Aprendi. Com tais pedras me refiz e hoje são fundamentais na construção de meu baluarte. E quando puseram os pés para que eu tropeçasse novamente, me agachei e lavei-lhe seus pés em humildade. Quando não tive nada a oferecer, roubaram -me os sapatos. Corri descalço, fugitivo como a Cinderela, sem seus sapatinhos de cristal. Quando os policiais me avistaram, preto e pés vermelhos calejados, me mandaram munidos de cassetetes e com toda sua hostilidade encostar na parede.
Humilhado voltei pra casa desarmado. Apenas com as sandálias da humildade. Com os pés num invólucro de história continuo caminhando e dançando à passos morosos e deliberados, com os pés fustigados pelo cansaço nessas ruas esburacadas, sem saber onde vou chegar. Mas eu vou chegar. Com o rosto lavado em água e sal, e os pés pelados, sonhando ainda um dia pisar na lua.

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