segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Beligerantes


Caminham lado a lado. Calados. Silêncio cálido. Beligerantes. Não é preciso dizer nada. Não se constrangem. Sentem. Dançam. Corpos surrados. Almas pungentes. As mentes transbordam, carregadas de pensamentos perdidos. São rendidos. O cansaço é escabroso e cruel. Mãos ao alto. Corpos ao chão. Olhos fechados. Acorrentados, cedem. Filantropos que são, descansam para que uma nova batalha seja travada noutro dia. Seus corpos, suas armas. São uma tropa. Escopo de um dia. Exórdio de uma longa peleja. Juntos são mais fortes. Não temem a derrota. Quiçá fosse.

Maná










Sinto fome. Uma fome que  enche de angústia. Todos me dizem que tenho pensamento de gordo. Saio pensando no que terei para comer quando voltar. Comer me enche de prazer. Sinto a fome dos insaciados. E é com essa fome que devoro o mundo todo a minha volta. Devoro cada pessoa, cada momento. Engulo as vezes sem nem ao menos mastigar, me dando ao luxo de comer mais. As vezes gosto de degustar. Então aprecio comendo pelas beiradas e deixando o "recheio" do mundo pro final. Sempre é mais saboroso. Mas também já comi primeiro o recheio. Gostei.Como de tudo, doce, salgado, amargo, besteira ou saudável. Misturo tudo. Olho uma geladeira vazia, escassa, mas cheia de lembranças. Carregada de fotos e saudades. Há quem diga que tenho estômago forte. Já comi restos, e nem sei de quem. Comi e como novamente porque já tive fome. Já vi quem tem fome. Vi enquanto reviravam o lixo, me pediram o que comer. Simplesmente pitança. Ajudei. Outras vezes não pude. Não quis. Minha fome foi maior. Gula. Eu comeria o mundo todo, sem cerimônia, sem talheres. E eles, o que comem? Como posso eu alimentar o mundo todo? Me sinto como uma ama seca.  Cheia de amor e incapaz de alimentar. Quando não como, durmo. Enquanto durmo, sentem fome e sonham acordados, insones, com um prato de comida. De comédia.

O porquê de tudo isso? As palavras ficaram pesadas demais para que eu as pudesse carregar sozinho. Tentei tapar a boca. Mas elas saíram, como num vômito. Estava cheio, comi demais. Eles não. Nós não. O mundo está faminto, e eu estou faminto do mundo. E enojado. Tudo que como me faz mal. Logo eu, que tinha estômago forte.

domingo, 30 de outubro de 2011

Bendito Fruto

Cheiro de inocência, exalando imódico um fragmento de vida. Recém-nascida. Cheiro que evanesce com o passar dos anos, anexo à candura exaurida por entre os poros. De uma vida ainda não vivida.
Renitente, a essência insiste. Persiste em viver, em amar e sofrer. 
E os anos passam duros e cruéis. Deixando seu estigma sob a pele. É a morte iminente admoestando inaudível e sem engano. Está por vir. 
A inocência se foi. Resta agora o cheiro que a maturidade deixou sob uma pele decrépita, suada. Que esconde e protege uma alma inextinguível, que alheada à isso vive. Vive. Exibindo com garbo sua coragem. Até o último suspiro, voltando com um frêmito, jubiloso e pungente, ao pó. Colocado mais uma vez na enorme ampulheta da vida. Que é o mundo. Bendito fruto de vosso ventre.

Nasci.

Fui arquitetado hermeticamente no mais puro, carnal e pungente ato de amor. Feito para amar. Amo demais. Num mundo que vive em dores de parto.