sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Eis que é sido.

Primeiro foram as chaves.
A agenda. 
O celular, a carteira, a sombrinha, a bolsa.
Os documentos, mas ainda não a identidade.
Esta talvez já tenha ido a mais tempo.
Num tempo em que ainda éramos de carne e osso.
De pele e alma. 
Fúria e calma, necessidade instante, fome ao alcance.
E a saliva morna escorregava na garganta  larga e fresca.
E os pés descalços, que não eram descalços pois não tinham necessidades de serem calçados.
E agora ao olhar pra baixo sabe que falta alguma coisa
Mas não sabe qual necessidade é a sua
E se esta supri alguma vontade; e se tem necessidade de sua vontade.
Perdeu o meio, perdeu o dentro
Perdeu o lembrar quérulo e sem lembrança
Inocência aquém do pensamento.
Lento viver eterno.
Eterno pesado e grosso, pois o que se faz de sempre sem ter nem início e nem fim
Não me cabe em pedaços divididos pela mordida fugaz truculenta do tempo.
E já não reconhecia rostos, já não reconhecia ações.
Não mais recordava-se onde vivia.
Tudo parece tão diferente, enfeitado e sem centro.
Sem caroço.
Caroço que cai na terra e gera vida.
Caroço seixo que nas mãos do guerreiro vira arma tira vida.
Carne sangue húmus mutação de chão sem pé.
De terra sem colheita fruto pão.
Pó de café pra manter de olhos abertos e serosos.
Não cabe ócio mas cabe sócio mas cabe ódio se quer o pódio.
Se quer poder não se quer ser, mas pare[ser].
Caroço semente duro oco de tudo cheio de vida esperando ser doido doído.
E germinado rarefeito de larva primitiva cheirando instinto extinto passando a homem pensando.
Estou sempre a um passo. No apogeu da flecha que sai do arco pronta a me atingir de olhos vendados.
E sinto os corpos caindo ao meu lado.
E eu vi seu número, a morte sussurrando e lambendo minha orelha.
Mas antes pude ouvir
todas as noites
o murmúrio de seus estômagos famintos a me manter insone noite e dia.
Até que eu esqueci.
Esqueci de ter
de ser
de vir e ver.
Olvidando-me ao que me cerca.
E tendo
Fui me esquecendo.
E então eu tenho medo e invento Deus e ele existe pra mim. Todos os dias.

Eis que é sendo.


quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Tempo salino

Num átimo de instante espremido entre o já que acaba de se tornar passado e o quase que já é futuro, pelo lábil enternecimento sujo, amargo, vivo e hostil que não se repetirá.

Eu olho, mas o peso da timidez sobre a nuca me abaixa a cabeça.
A coragem receosa levanta-lhe segurando-me pelo queixo.
Ao encontro das pupilas dilatadas há um súbito enfervecimento dos glóbulos vermelhos causando um rápido enrubescer, semelhante ao entardecer repentinamente laranja roxo.

Os olhos realizam uma curva acentuada.

Um suspiro ao tentar fazer seu caminho, tão conhecido, é interrompido entre o peito e a garganta. Um sorriso escapa-me obliquamente à boca. Todos os músculos de minha face formam uma expressão ainda não denominada. Sem caráter definido.
Deliberadamente olho. Ele não.
Ele olha, percebo de soslaio.
O tempo ralentou-se ao meu desejo ao ponto de permitir-me formular a predestinação de todo nosso romance inventado vivido à nossa despedida.
Que acontece já sem ocorra de fato. Antes que houvesse uma chegada. E como a mulher de Ló - sem nem mesmo seu nome ser lembrado - olho pra trás e, me resta a imensidão de tudo que poderia ter sido.
O hálito escapa escorregado aliviado, a cabeça soergue-se e um instante de sal cristaliza-se no ar fazendo-se lembrança de futuro reminiscente vagando a esperar na estação de trem.

E a lua a me sorrir de boca cheia.

Instante vivido ser sentido

Tropecei em você e cai dentro de mim verdejando
amarelo fosco feito fogo acinzentado que chuvisca no
meu olho esquerdo dando a mão  ao tempo que passou
sozinho pulando amarelinha correndo atrás do vento
carregando pesado a folha seca cicatriz do pó mordido
amordaçado atrelado ao dedo médio ensanguentado 
põe band-aid que é pra estancar feito cavalo abatido
sem comida sem comédia só de merda deitado 
na rua nua de vida crua entupida sua suada soada de
grito mudo ao pé-de-ouvido que duvido que a voz levada 
a força em pé na forca deitou a mão a quem diz 
não sou puta sim sou preta estou sem prato sob o ralo
sobe escalo fere a palma perde a calma tenta estala
está lá pra cá pra que pra quem porque tem tido
sem sentido tudo tédio prédio casa concreto ruína
fina caindo do teto dá a teta seca vazia
morna na mão fria freia a cara feia feita da
massa de pão escassa de tu de ter de te ter de
meter e me tendo sofrendo só vendo a estética estática
extática que não é Noé pajé ou rei pirei pirou pirão 
peão cansado na rede feito peixe de luz sem feixe
de povo sem fé de pé rachado com sapato fechado no 
lixo sem eixo parado açoitado dia-a-dia no relógio 
que sossega tempo perdido no instante preso na estante
embaixo do sorriso acre-doce que coça caça cessa
corta cresce feito capim miúdo erva daninha sem terra
só pedra só perda no rim que é ruim por mim sem fim que escorre e o menino
corre sem saber o que alcançar sem calçar a alma pelada
de dor de dar ardido no olho puro escuro
na pele a escara no medo a cara escancara 
o nariz escarra a escória que afasta que afeta
o feto fétido miúdo sangue de açougue cade cadê saúde
de cá saudade só da de olhar pra traz pela retina 
amarga que só enxerga cega preto-e-branco incolor
sem cheiro sem dinheiro claro paro pera espera és puro e chega ao
fim do poço ao fundo do caminho sem rumo sem remo 
sem flor só dor na pele sem pêlo o espinho. 

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Aquela sensação de...

..um cheirinho de céu partido no meio, um bichinho preso atrás do umbigo. Minhas pernas correram na frente e, eu fiquei. Estou meio livre de olhos vendados em cima do muro com o pé machucado. Se me ver por aí, avisa que eu estou te esperando na esquina sem chuva nublada com promessa de sol e vento algum. Mas está chuviscando, não em mim, mas está. Tá perto e, se você não se apressar me pega. E eu estou esperando atrasado correndo olhando pra trás sem celular, fingindo que tá tudo bem. Mas quando você está por perto, e eu sei, eu fico todo celícola. Agachado atrás do muro plantando seu cheiro ubíquo que é pra não perder e ninguém achar. Mas eu sempre esqueço onde plantei.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Povo com Siso

Num mundo de gente
de mãos unidas e palmas partidas
de povo conciso e pungente
onde seus atos, e de fato, são tomados sempre
por imprecisos e imprudentes
mas que carrega no ventre desnudo
convertido e latente
a imanência de ser
no passado, futuro, presente
mais-que-perfeito pra uns
pra outros, que se sabem impotentes
pedem tonitruantes
que tire esse dente excedente.

sábado, 30 de junho de 2012

Live

Tira teus dedos tépidos da minha garganta vazia.
Deixa o ar entrar fresco nos meus pulmões suados.
Coloca minhas mãos em frêmito sobre teu colo fértil.
Desliza melífluo de meus olhos e abre-os. 
Abre a porta há tanto fechada.
De sobressalto encontre as gavetas reviradas e num suspiro pergunte dissimulado quem o fez.
Quem são todos estes pendurados em tua parede.
A quem pertencem esses olhos empoeirados.
Roupas que não te cabem mais neste corpo.
Um  copo que outrora cheio em estigma de bocas vazias que encontra de súbito a palma desajeitada. 
Estilhaços.
Corpos esvaziados de suas vestes.
Vê-te desenxabido de tecidos amarrotados em seus cabides.
Lava teu rosto
Encara teu espelho e espreme de ti o que te comprime.
Livra-te dos germes
Lavra este coração alqueivado.
Vai
       Vi
             Ver
                    Me 
                          Leve
                                    como em livro.
Não precisa mais andar curvado. 
                                                              LIVE.

Deixe a menina em paz

É daquelas que permanecem tentando até que não haja mais forças. Mas nunca foi muito forte. Cansa-se fácil e sem se apoiar procura logo um lugar pra se sentar. Lágrimas alhures nunca a fizeram chorar. Mas aqueles que engolem o choro e petrifica-o junto com algo que enrijece concomitantemente, a fazem debulhar. Peço licença, esbarro, esquivo-me e sem esquecer de quem está do meu lado vou correndo atrás de mim. Num tropeço trôpego e escorregado enrubesce não o rosto, mas o corpo todo e deixa-o túmido caminhando desajeitado.
Em casa, seus olhos desejosos e ávidos em possuir, em sorver. Barba por fazer e beijo ainda por dar. Meus lábios à pedir labor e o sabor de saber os seus tangentes aos meus.
A uma distância incoercível de produzir-me ânsia, de tocar e sentir na minha pele sua barba roçar no meu corpo frêmito de fabricar desejo e ilusão de dois corpos que estão à dois passos de enlevar-se em prazer.
A umidade baça no vidro desfeita por meus dedos, enquanto os seus seguram o meu cabelo.
E meus olhos à fitar você crispado de prazer derramando seus suor sob meu torso curvado. Foi quando vi minha inocência bruta escorrer sob minhas pernas e manchar aquele tapete desbotado desde que o compraram no brechó, o mesmo onde aquela que me pariu, ao seu lado parou e meu primeiro sutiã comprou.
Mas ela ainda é uma menina. E não devia ter sede no meio da noite. E a porta entreaberta com a pálida luz do abajur mergulhado na escuridão de duas silhuetas estertorando sôfregas à me ninar a madrugada toda e por um bom tempo, durante longos dias não devia existir e persistir em meu ventre, carregado e oco, na insistência que me causa  a sua ausência sem calças em meus olhos de pés descalços. Em poder de teu tato sob o teto de minha casa bem embaixo de sua asa.
Deixe a menina em paz. Foi tudo que soube e coube à tua boca dizer diante do silêncio surdo de minhas mudanças que estavam apenas prestes a acontecer.