terça-feira, 1 de novembro de 2011

Na janela do ônibus

O sol verte suas chispas fulgurantes queimando suas costas. Aquecendo sua alma. Preteriu caminhar ao ver o ônibus passando e convidar sua ociosidade à acompanhá-lo. Estava cheio. Você também estava. A miscigenação estava ali imposta diante de seus olhos cálidos. Pôde observar aquilo que mais gosta. Gente. A criança que chora. A mulher que educa. O homem coberto de lascívia. A moça sucinta, consenti. Seus olhos de um brilho opalino observam um mundo ao qual jamais tinha prestado atenção. Gosta. De agora em diante será diferente. Ser gente faz bem.
Observa através da janela, a dificuldade senil com que a mulher caminha morosa sob as avenidas impacientes de São Paulo. Carregadas de histórias, cada uma em seu sentido, cruzam-se sem se bater. Não se tocam. Olham mas não enxergam nada além de seus próprios passos. O jovem aflito em seus ideais calcula pressuroso quanto tempo levará ao seu destino. Talvez uma vida toda. O sinal fecha. Fazem malabarismo tentando equilibrar suas vidas diante de seus olhos. Fecha-se o vidro. As ruas começam seus preparativos para o natal. Mas o que se comemora no natal? Que se desperte o espírito natalino no homem que falando ao celular joga 3 moedas no caneco de metal do senhor com os pés enfaixados, a visão debilitada e as mãos acorrentadas implorando misericórdia, e uma nova chance. Acusa um Deus que não o enxerga no meio dessa multidão afogada em suas vidas, incapazes de olhar pro lado. A sirene vocifera. Os carros abrem caminho. A ambulância carrega em seus braços alguém que também não olhou pros lados. Dentro do carro, amassado de torpor, faz-se uma promessa arrependida por ter bebido demais. Sentam-se ao seu lado. Você sorri sem motivo. Acusam um disparate irresponsável. Extasiado alguém grita: "Pára, pára que eu quero descer!". Do mundo. Do ônibus. Você cede lugar a quem leva em seus braços cansados o futuro imaturo. Tira o seio. Alimenta calmamente quem um dia caminhará com suas próprias pernas em busca de seus sonhos, e se responsabilizará por onde hoje caminhamos sem culpa. Parece que você já esteve aqui antes. Sua história está impregnada por estas ruas agora escuras. Ele morava naquele prédio que você tanto visitou, com um coração jovem e fugaz. Mas acabou. Ele não te quer mais. Não quer mais os momentos bons que viveram deliberadamente. E que acreditaram que durariam para sempre. Recônditos do mundo, dentro de quatro paredes se amaram. Brigaram. E agora sente o sabor salgado e amargo de seus erros escorrendo em seu rosto. Você já se esqueceu de tudo que viu. Agora quando olha pela janela do ônibus, a única coisa que vê é o próprio rosto refletido nas vidas passando lá fora. Através da janela. Na janela. O motorista freia bruscamente. Gritam. Cambaleiam. Perdem o equilíbrio. Está carregando bois? Perguntam-se. Quem é esse motorista? Deve ser novo. Ainda não se acostumou com o mundo.

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